quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

'O meu filho é gay. E agora?' - intimidades, sexualidades e afins


Ao final de mais um dia de trabalho, recebo em consulta uma mãe com um rapazinho com oito ou nove anos pela mão. A mãe, com olhos humedecidos e vermelhos, e uma respiração ofegante de quem vem à pressa. O pequeno tranquilo, de conversa fácil e sorridente. 'O que vos traz por cá?', pergunto eu. 'O S. precisa de ajuda. Anda com umas ideias diferentes e estranhas. Já falei com ele mas é melhor alguém de fora para o ajudar a ultrapassar isto. Ele explica lhe está bem?'. Diz me a mãe já dirigir se para a porta do gabinete. Tentei aprofundar ainda algo mas sem sucesso. A mãe fugiu dali deixando S. à minha frente, bem sentado, novamente com um sorriso empático. 'Então S., consegues explicar o que se passa e porque vieste?'. 'Sim, claro. A minha mãe acha que preciso de ajuda porque lhe disse que não gosto de meninas.' S. explicou o de forma clara, concisa e como se tratasse de um adulto alta
mente conhecedor de tal matéria. Depois de uma longa conversa com S. pedi para conversar com a mãe. A sós.
Deparei me com uma mãe 'desesperada', crente que alguém 'ou quem sabe, o tempo' seja capaz de mudar o filho. Chorou todo o tempo em que conversamos. Confessou estar com medo. Medo da reação dos outros. Da família, dos amigos, dos conhecidos. Medo da atitude do pai que optou por ignorar o assunto, fingindo ''ao ter havido o assunto'. Confessou se triste. Triste porque idealizou e tem como expetativas um percurso para S. que parece nao vir a corresponder à realidade. Triste porque apesar de tão tenra idade, há algo no desenvolvimento e vida de S. que a mãe sente não ser do seu controlo. Confessou se culpada. Culpada porque 'se calhar tem a ver com a forma como o eduquei e educo.' Culpada porque 'no fundo sempre houve algo de diferente ao longo do crescimento dele' mas não quis perceber, não percebeu ou nem era mesmo nada. 'E agora?' perguntou. Agora? O que é importante? O que é importante para os pais quando se tem como filho uma criança de 9 anos de idade? Estar, educar, preservar a sua saúde física e psicológica, cuidar, apoiar, orientar, amar... E fazê-lo no decorrer do curso natural das vidas sabendo que os filhos não serão exatamente o que ambicionamos, nao percorrerão sempre os caminhos que projetamos e vão muitas vezes fazer nos confrontar com ideias pré concebidas, crencas e medos. Ser pai/mãe pode ser visto como uma oportunidade de reflexão continua e de reajuste do nosso 'eu' enquanto pessoa. Como alguém disse filho 'é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo'.

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